quarta-feira, 7 de março de 2012

"O Mundo inveja a felicidade do Brasil"


Confira a entrevista da diretora da Mãos de Minas e presidente do Instituto Centro Cape e da Associação Brasileira de Exportação de Artesanato (Abexa), Tânia Machado, concedida ao Museu do Objeto Brasileiro.

Na entrevista Tânia fala sobre os problemas enfrentados pelos artesãos, as soluções encontradas e as novas possibilidades para o artesanato brasileiro.





 
Você começou trabalhando como artesã e hoje preside duas instituições de grande importância para o artesanato brasileiro. Como se desenvolveu essa trajetória?
Antes de 1983, eu fazia artesanato de brincadeira e, de repente, por uma questão financeira e familiar, teve que virar coisa séria. Neste momento, encontrei as dificuldades de sempre: não tinha identidade, não tinha acesso a crédito, não tinha acesso a nota fiscal, não tinha acesso a compras no atacado, não tinha acesso a programas de capacitação. Até havia acesso à capacitação, mas não sabia nem aonde ir.
Em São Paulo, vi que havia um projeto do governo chamado Feito em Casa. Aqui em Minas Gerais, eu tinha um amigo que era secretário de administração no governo Tancredo Neves e pedi a ele que buscasse uma cópia do projeto. Aí transformamos no projeto “Mãos de Minas”, que passou a ser um projeto do governo no Conselho Estadual da Mulher, porque entre 80% e 90% da produção artesanal está na mão de mulheres – desde aquela época, até hoje, a grande maioria dos artesãos são mulheres. Com isso, tínhamos identidade, nota fiscal e a minha questão financeira e familiar foi resolvida. Mas virou um projeto de vida e achei que deveria ir além.
Em 1988, decidimos transformar o projeto de governo em ONG. Por quê? Porque desde aquela época, eu acreditava em autossustentabilidade. Projetos que são 100% subsidiados não têm futuro. Então, para participar, o artesão tinha que pagar uma mensalidade, um percentual dos serviços etc. Dentro de um projeto de governo, isso era impossível. Tratava-se ainda de numa época de inflação de 80% a 90% ao mês. Se o dinheiro caísse no caixa único do governo, seria praticamente impossível tirar aquilo dali para beneficiar alguma coisa. Então, criamos essa associação que, na época, chamava-se, Associação dos Artesãos e Produtores Caseiros do Projeto Mãos de Minas. Hoje se chama Central Mãos de Minas. Com isso, o governo deixou de ser empresário e passou a ser solidário com essa instituição. Ela foi se desenvolvendo, tinha a nota fiscal, central de vendas, central de compras e criou um programa de capacitação. Na verdade, nos apropriamos de uma metodologia da GTZ, do Ministério de Cooperação Técnica da Alemanha, que é a CEFE, Competência Econômica na Formação de Empreendedores. Isso se tornou a base de treinamento da Central Mãos de Minas.
Só que esse setor cresceu muito. Então, em 1999, criou-se o Centro Cape, Centro de Capacitação e Apoio ao Empreendedor, onde, hoje, sou presidente. Esse centro de capacitação incorporou tudo aquilo que não era exclusivo do projeto Mãos de Minas: feira, microcrédito, capacitação, treinamento, políticas públicas. O Mãos de Minas ficou com aquilo que era somente do artesão: nota fiscal, central de compras, loja, consultorias específicas para o artesanato etc.
O microcrédito acabou se desvencilhando do Centro Cape e se transformou na Associação de Crédito Popular, o Banco do Povo. O Centro Cape deu outro filhotinho também, que se chama Jogos de Empresa, que trabalha com kits de treinamento na área de empreendedorismo, a base da metodologia com a qual a gente trabalha.
Um pouco da história é essa. Eu brinco que em 1983 eu precisava de uma nota fiscal e, de repente, virou esse mundo de coisas. É uma história de vida, uma história de defesa do artesanato, do artesão, e de que o artesão entenda que ser subsidiado, projetos paternalistas, não o levam a crescer, não leva a nada. Ele tem que arriscar. O mercado está aí, a China está no nosso quintal, então, se ele não tiver uma postura empreendedora, uma postura empresarial, ele não vai conseguir sobreviver.

O que é e por que surgiu a Associação Brasileira de Exportação de Artesanato – Abexa?
A Abexa foi criada com a sugestão da Apex – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A Apex trabalha com projetos nacionais e conta com uma série de instituições promovem os produtos de cada área. No caso do artesanato, não existia nenhuma instituição nacional, então a Apex trabalhava com instituições pulverizadas no Brasil: a Artest, do Paraná, a Fazer Brasil, de São Paulo, o Centro Cape, em Minas Gerais, e o Instituto Cearense de Artesanato (ICA), no Ceará. Nesse meio tempo, entrou um projeto de Pernambuco que não deu certo e fechou. A Apex apoiou ainda um projeto na Bahia e outro no Rio Grande do Sul que não deram certo e também fecharam. Mas há uns três anos a Apex já vinha falando conosco: “Não podemos mais apoiar projetos pulverizados, temos que apoiar um projeto nacional; vocês têm que se juntar e criar uma instituição nacional”. Eu fui muito resistente a isso, porque se ainda não conseguimos criar uma instituição nacional para cuidar do dia a dia do artesão, da defesa dos seus interesses, como iríamos criar uma instituição só para cuidar da exportação? Mas a Apex falou: “ou é isso, ou é isso”. Não foi nem por imposição, essa é política deles, apoiar projetos nacionais. Então, colocaram uma consultoria a nossa disposição, e nos reunimos durante quase um ano para fazer o planejamento estratégico. Em dezembro de 2010, criamos a Associação Brasileira de Exportação de Artesanato (Abexa).
Como era esperado, nesse início, existem muitos ajustes. A Fazer Brasil acabou tendo que sair por questões financeiras; a Artest não quis ficar. Então, a Abexa, hoje, está com três associados: a Mãos de Minas/Centro Cape, o ICA, e a Papi, do Piauí. Cada um desses associados atende vários estados. O Mãos de Minas/Centro Cape, por exemplo, atende Alagoas, Pernambuco, Bahia, Paraná, São Paulo e Amazonas. Mas a intenção não é essa. Minha vontade é ter pelo menos um associado por estado.

O Brasil tem aproveitado as oportunidades de exportação de artesanato?
No ano passado a rede de lojas El Corte Inglés veio ao Brasil para com uma equipe de quatorze pessoas para comprar 4 milhões de euros de artesanato. Nós montamos um showroom em Fortaleza, um em Minas Gerais, um em Brasília e um em Manaus. Resultado: eles foram embora tendo comprado somente um milhão de euros, pois não conseguiram comprar mais dos artesãos brasileiros. Minas Gerais vendeu cerca de 700 mil euros e o resto do Brasil cerca de 300 mil. Eu fiquei muito frustrada, porque uma oportunidade de venda como essa não aparece todo dia. Analisando a situação, verificamos que o problema é que o artesão não está organizado. Na hora em que se chega a discussões de consolidação de carga, fechamento de câmbio, invoice, embalagem, etiquetagem etc., ele se assustava: “Eu não faço isso!”. E não existia nos estados nenhuma instituição que pudesse fazer isso. Então, a Abexa estará fortalecendo uma instituição por estado dentro do modelo que o Mãos de Minas é hoje. O Mãos de Minas tem um setor de embalagem, tem máquinas, fazemos as próprias caixas; temos máquinas de espuma expansiva para adequar o produto à embalagem, principalmente para exportação; temos um setor de emissão de nota fiscal com código de barras; temos todo um setor de capacitação, preparação e apoio ao artesão; temos parcerias com o Banco do Brasil para linhas de crédito, caso o artesão precise de algum adiantamento para exportação; etc. Estamos preparados para o mercado, mas o resto do Brasil não está.
É uma pena, principalmente agora, que o Brasil está na moda. Todo mundo quer o Brasil, todo mundo quer fazer alguma coisa do Brasil, mostrar o Brasil. E mostra por meio do quê? Da arte, da cultura, da gastronomia e da música. Por exemplo, em maio vamos estar dois meses nas lojas Macy’s, dos Estados Unidos – de graça. Eles cederam entre 24 e 30 metros quadrados nas lojas em Chicago, São Francisco, Miami e Nova Iorque para que a gente possa vender nossos produtos. Quanto custa o metro quadrado na Macy’s? É um preço absurdo. Então, foi a forma que eles arrumaram. Eles queriam comprar o artesanato, mas desistiram de comprar. Ao invés de comprar, estão nos cedendo o espaço. Isso é muito bom, porque vamos poder testar os produtos que estamos querendo testar, e não os que eles querem comprar. Tem outra loja nos Estado Unidos que também quer homenagear o Brasil, a rede HomeGoods. E é sempre a partir do artesanato, mesclando com a gastronomia, mesclando com a música. Temos que aproveitar o momento, ganhar dinheiro agora, que o Brasil está na moda. Todo mundo adora o Brasil. Ainda mais agora que estamos com fama de rico e saímos gastando dinheiro lá fora. Você chega e o povo quase te carrega no colo.

Qual o potencial de grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014 para a promoção do artesanato brasileiro?
Tem muita gente falando que o artesão vai ganhar dinheiro, mas na Copa do Mundo, o artesão não vai ganhar dinheiro! Turista de Copa não carrega sacola, turista da Copa não vai sair visitando exposições de artesanato. Certamente, ele não vai fazer isso.
Está todo mundo falando para o artesão: “Produz, pois você vai ganhar dinheiro”. Então, eu fui olhar o que acontece em Salvador e no Rio de Janeiro na época de Carnaval. Ora, no Carnaval eles recebem 1 milhão de turistas. Se durante a Copa os estados vão receber 100 ou 200 mil turistas, no Rio de Janeiro e Bahia, que recebem 1 milhão de turistas por ano, o artesão deveria estar milionário. Eu fui ver e não tem nada disso. Há um aumentozinho de venda de artesanato, na faixa de 7%. Fui conversar com amigos da África do Sul para saber o que aconteceu com artesanato durante a Copa do Mundo de 2010 e eles falaram justamente isso: todo mundo falou para o artesão sul-africano produzir porque o turista iria comprar muito. Eles não venderam e estão lá entupidos de produtos, vendendo para atravessadores a preços baixíssimos para poder desovar.
O papel da Abexa é dar esse alerta. Agora, por exemplo, precisamos dizer: “Vamos aproveitar a Copa do Mundo para ganhar dinheiro antes”. A Apex participa de 470 eventos anualmente pelo mundo afora; eventos de móveis, de confecção, de vídeos, de softwares etc. Essa semana, discutimos com a Fundação Banco do Brasil a possibilidade de criar um display para Copa, em que estariam expostos produtos ícones dos doze estados brasileiros que serão sede dos jogos. Por exemplo, bonecos: Minas Gerais vai fazer um mineirinho, Amazonas um índio, Rio de Janeiro um carnavalesco, Bahia um Orixá, tudo do mesmo tamanho. Será a coleção de artesanato da Copa, mas nós queremos vender lá fora antes, no segundo semestre de 2012, em 2013, no primeiro semestre de 2014. Aí sim, é a única chance de o artesão ganhar dinheiro com a Copa do Mundo. É preciso ir às feiras no exterior, mostrar a cara do Brasil, pintar nossos estandes de verde e amarelo, que é nossa marca. Mas vender artesanato durante a Copa, não vai acontecer. Souvenir vai vir tudo da China: Cristo Redentor made in China, boné made in China, chaveirinho made in China, camiseta made in China. Então, não adianta falar que o artesão vai ganhar dinheiro na Copa. Ele pode ganhar dinheiro com a Copa, antes e depois, pela promoção do Brasil. Mas durante, não ganha não. E não me coloca para trabalhar durante a Copa, porque na Copa eu quero é ver futebol. Carnaval e Copa do Mundo são duas coisas das quais não abro mão.

A imagem do Brasil no exterior parece estar mais evidência especialmente nos últimos anos. A que isso se deve?
Eu acho que é um pouco graças a nossa política e um pouco por conta da quebradeira da Europa e dos Estados Unidos. Eles nunca quebraram da forma como estão quebrados agora, e nós pouco nos abalamos com a crise econômica mundial.
Além disso, o Brasil é visto como um país otimista, um país alegre. A única coisa que a Macy’s pediu é para que fosse tudo muito colorido. Quando mostramos a eles a cestaria indígena, não quiseram, porque os produtos são em marrom e preto, cores mais sóbrias. Eles querem a plumagem, as pinturas marajoaras, tudo o que é colorido, que é alegre, que eleva o espírito. É essa a imagem que eles têm do Brasil lá fora e é essa imagem que estamos passando. Mesmo com todos os nossos problemas – e temos muitos – somos felizes. Acho que é isso: o mundo inveja a felicidade do Brasil.

Como superar estereótipos ainda muito ligados à imagem do Brasil como o de mulheres nuas durante o Carnaval?
Eu adoro carnaval. A partir de outubro, sou piolho de barracão de escola. Todo mês vou para o Rio de Janeiro, para a Cidade do Samba e fico correndo de barracão em barracão. Por quê? Porque aquele desfile é todo feito à mão. Foi um artesão que pegou um bloco de isopor e esculpiu uma peça, dando origem àquelas esculturas enormes. Depois veio com a fibra de vidro, fez as cópias e pintou tudo a mão. Então, sou apaixonada pelo carnaval porque é a maior demonstração de artesanato do mundo! Mas nos eventos que faço lá fora, não levo bunda, não levo carnaval. Porque carnaval, para eles, é bunda de fora, peito de fora, mulata gostosa. Não quero levar essa imagem do Brasil. Duas vezes por ano, fazemos um evento em Nova Iorque, o projeto Vendedor. Temos um showroom lá na 34th, em frente ao Empire State. Oferecemos caipirinha com cachaça brasileira, bombom Sonho de Valsa, doce de leite na palha, guaraná, água de coco, vinho brasileiro. Levamos coisas nossas. A música é Bossa Nova, o tempo inteiro tocando. É essa a imagem que quero levar do Brasil.
O problema é que a alegria do carnaval, ou a bunda do carnaval, é o negócio que todo mundo quer saber. Eu estava em Nova Iorque até a semana passada e todo mundo perguntava: “E o carnaval?”. Quando isso acontece, sempre tento levar essa mensagem: “Também sou apaixonada por carnaval; você sabia que aquilo tudo é feito a mão?”, “Não!”, “É tudo feito à mão, cada lantejoula, cada pérola, cada pluma, é tudo feito à mão, não tem máquina”. Então, eu tento inverter um pouquinho. O carnaval é bonito porque dá emprego, porque é todo feito a mão e leva a alegria do povo brasileiro.

Quantos artesãos há no Brasil? Qual o impacto econômico dessa atividade no país?
A partir deste ano teremos uma medida mais oficial, porque o número com o qual se trabalha é de 1998, quando o IBGE projetou que existiam 8,5 milhões de artesãos e produtores artesanais no Brasil. O que é um produto artesanal? Uma costureira que com uma tesoura corta peça por peça e costura uma a uma; ou uma pessoa que faz empadinhas na cozinha de sua casa, amassa na mão e coloca na forma. E há o artesão que é o artista, que trabalha com a arte. Mas eu acho que são muito mais do que 8,5 milhões. Sempre falo o seguinte: se dentro da sua casa não tem alguém produzindo alguma cosia artesanalmente, tenho certeza absoluta que na casa do vizinho do lado tem. Uma pessoa faz uma boneca, outra faz um pano de prato, outra uma empadinha, outra borda, outra costura, outra tece. Então, eu acho que esse número é bem maior.
Nos grandes centros, a renda média do artesão é de quatro a cinco salários mínimos por mês. No campo, ela chega a meio salário mínimo. Então, trabalhamos com a média de um salário no geral do Brasil.
Assim, se é verdade que são 8,5 milhões artesão no Brasil, com uma renda média de um salário mínimo por mês, chegaremos a 54 bilhões de reais de vendas de artesanato e produção artesanal no Brasil – na primeira fase. Considerando que o forte do artesão é a venda a lojistas que vão revender, pode-se duplicar esse número. Então, artesãos geram 100 bilhões por ano para a economia brasileira.
Eu não sei em que lugar nós estaríamos na comparação com outras indústrias, mas não deve estar ruim, não. Deve estar perto da indústria automobilística, talvez, até, na frente, se considerarmos esse valor de segunda instância. Só que a profissão do artesão não era cadastrada pelo IBGE. Na Classificação Brasileira de Ocupações, não existia artesão. Agora, em 2010, criaram a categoria de artesanato, mas foi depois do Censo 2010. Com essas medições que o IBGE vai fazendo todo ano, iremos começar a ter certeza se esse número é real ou não. Por enquanto, era apenas projeção. Mas trabalha-se com esse mesmo número desde 1998. Se em 1998 eram 8,5 milhões, hoje seriam cerca de 16 milhões.
O artesanato é a principal ocupação de muitas pessoas e não são só pessoas de baixa renda que trabalham com artesanato. Desde 2005, a Vox Populi faz uma pesquisa para nós na Feira Nacional de Artesanato, que realizamos aqui em Minas Gerais há 23 anos. Essa é uma amostra do artesão estruturado, que está organizado, que participa de feiras, que compra um estande etc. Nestas pesquisas, aparece o seguinte: o artesão é de classe média para cima, artesãos que têm curso superior são um percentual muito grande. Então, o artesão, hoje, é um cara que estuda, vai à escola, não é um analfabeto. Antigamente tinha-se a impressão de que o artesão era aquela pessoa analfabeta que não consegue fazer nada na vida. Não é não. O pessoal que estuda, hoje, descobre que o artesanato é uma grande fonte de renda (ver pesquisa).

No início de 2011, você entregou uma carta à Presidente da República Dilma Rousseff mostrando a importância do setor artesanal para o Brasil. O poder público subestima a relevância desta atividade?
O poder público não dá a devida importância. Continua ainda o ranço de tratar o artesanato como um projeto social, que tem que ser subsidiado, que tem que ser ajudado. E não tem. A profissão de artesão não é reconhecida, começa por aí. Ela foi, agora, cadastrada pelo IBGE, mas ela não é reconhecida. Não existe reconhecimento pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, de uma profissão de um cara chamado artesão. Você tem de catador de papel, de lixeiro, de pedreiro, de médico, tem de tudo. Mas artesão não tem.
Outra questão é que, talvez pela própria cultura do artesão, a maior força de trabalho desse país não tem uma organização nacional. As pessoas não entendem que se elas não se unirem, não vão ter força, não vão conseguir chegar a lugar algum. Com isso, acabam não apresentando suas reivindicações.
Além disso, o orçamento do Programa do Artesanato Brasileiro, no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior é menor do que o orçamento do Centro Cape. O Centro Cape tem um custo fixo de 200 mil reais por mês – não estou falando de investimento, fazemos uma feira no final do ano que custa 5 milhões de reais. O orçamento do Programa do Artesanato Brasileiro, que tem que cuidar de 8,5 milhões de pessoas, não chega a 1 milhão de reais por ano. Vai fazer o quê? Dividir por 27 estados? Não dá para nada. Não tem uma política.

Como avalia a formalização do artesão por meio de sua transformação em um Empreendedor Individual (EI)?
Tenho discutido muito com o Sebrae Nacional essa questão do Empreendedor Individual. A concepção, no geral, é legal. Só que o EI tem um problema para quem trabalha na área da produção, que é o caso do artesanato. Se o artesão se transformar em EI, ele vai pagar R$ R$ 57 por mês, dos quais está incluído R$ 1 de ICMS. Pode-se pensar: “Legal, é apenas R$ 1”. Mas isso só se ele vender a varejo. Se vender a contribuintes, a lojistas, ele perde essa isenção, e passa a pagar 7%, 12% ou 18% de ICMS, isto quando não cai na Substituição Tributária e o imposto pode chegar a 42%. Ninguém pensou nisso. Aí o artesão se cadastra como EI e, na hora em que vai vender para contribuinte, a Fazenda do seu estado pergunta: “Você está vendendo para onde? Se está vendendo para o nordeste, é 7%, se está vendendo para o Sul, é 12%, se está vendendo aqui para o seu estado, 18%”. Não interessa se ele está vendendo para outro EI ou para microempresa etc. Se for contribuinte que vai revender, está taxado.
Outro grande problema que a União, quando fez o EI, não pensou. Na hora em que alguém vai se cadastrar como EI é muito legal; você entra no computador, aperta um botãozinho e pronto, sai seu CNPJ, sai seu alvará de funcionamento, sai seu alvará do corpo de bombeiros, sai seu alvará ambiental e, se for na área de alimentos, sai seu alvará da vigilância sanitária. Beleza. Automaticamente, o IPTU da sua casa, que era residencial, se transforma em comercial. Então você passa a pagar um IPTU três vezes mais alto. Segundo ponto: nas cidades onde tem Código de Posturas, o alvará que ele recebeu com validade de um ano deve ser renovado no momento em que expira. Só que quando ele chega à prefeitura, lhe falam: “Sinto muito, mas o Código de Posturas não permite uma indústria no bairro do senhor”. E não renovam o alvará dele. E isso ocorre também com o alvará ambiental e com o do corpo de bombeiros. Se for vigilância sanitária, pior ainda, porque tem uma série de outros critérios. Eu não sou contra critérios, não sou contra Código de Posturas, não sou contra a defesa da legalidade da situação. Sou contra a desinformação. Os artesãos que se transformaram em EI estão todos aqui batendo no Mãos de Minas desesperados.
Hoje chegou um cara de uma comunidade para conversar comigo que contou: “Já fizemos quatrocentos EI”. Eu perguntei: “Você informou para eles que o IPTU vai triplicar? Informou que ano que vem eles vão ter que renovar o alvará e a prefeitura não vai renovar porque lá não pode ter indústria?”. Não informam. Esse tipo de coisa acontece justamente por não haver uma instituição nacional para acompanhar os trâmites desses projetos ditos de beneficiamento do seguimento.

O artesanato brasileiro tem potencial de exportação? É viável exportar artesanato?
Sim, é viável, tem potencial. Temos um custo muito maior para exportar para a Europa do que para os Estados Unidos, porque a taxação lá é muito alta. Nos Estados Unidos, não tem taxação, você entra e não paga nada de imposto – o lojista é que vai pagar quando vender. Os fretes para os Estados Unidos também são muito mais baratos.
De qualquer forma, o produto brasileiro agrada muito, principalmente pela criatividade e pelas cores. As pessoas reconhecem logo o produto brasileiro. Elas veem aquilo como se tivessem comprando um pouquinho da nossa alegria: “Se eu comprar isso aqui, vou ser meio brasileiro, vou ter aquele jeitinho, aquela felicidade que eles têm”.
Por causa da crise, as feiras que participamos na Europa estão fraquíssimas. Não há visitantes, os pedidos foram mínimos. Vamos desistir de ir? Não! O problema do artesanato é justamente esse, a questão da persistência. Nunca esqueço da primeira feira que participamos na Europa, em setembro de 2002. Montamos um estande lindíssimo, levamos um monte de produtos, se chamava Brazil Handcraft Made in Minas Gerais. E ninguém entrou no estande! Você sabe o que é nenhuma pessoa entrar no estande? Eu falei: “Gente, estamos com alguma doença contagiosa? O que está acontecendo?”. Então, fomos conversar com outras pessoas.
O que ocorre com o artesanato mundial? Normalmente, os projetos de artesanato mundiais são apoiados pelos respectivos governos – são 100% subsidiados. Então, quando o governo, os artesãos vão à feira, quando não apoia, não vão mais. E o lojista, tanto o europeu quanto o americano, quando compra um produto, investe em catálogo, em embalagem, em produção para colocá-los em exposição nas suas lojas etc. Quando o artesão não tem persistência, todo este investimento é perdido. Então, o comprador quer ter certeza de que o artesão vai continuar. Essa certeza, o artesanato brasileiro está mostrando com a persistência dos nossos projetos, do ICA, do Centro Cape, do Brazil Handcraft, da Fazer Brasil, da Artest, participando de feiras. Neste ano, houve três grandes feiras na Europa: a Intergift, a Maison & Objet e a Ambiente. Nós estamos nas três, com toda a crise na Europa. Em agosto, se continuar em crise, nós vamos estar lá também. Nós participamos também da New York Gift Fair e, há dois anos, quando estourou a crise americana, todo mundo encolheu e nós aumentamos o estande. As pessoas começam a perceber que o artesanato brasileiro é persistente, responsável. Com isso, estamos ganhando a confiança do mercado, o mercado sabe que temos continuidade.
Em relação a isso, houve um caso muito curioso aqui no Centro Cape. Veio uma pessoa e comprou móveis, mas não disse que era para exportar. Alguns meses depois, recebemos um telefonema de alguém do Canadá, reclamando que os móveis estavam bichados, tinham ido com traça, e dizendo que os móveis eram do Mãos de Minas. Nós respondemos: “Sinto muito, mas nós não exportamos móveis, justamente porque nosso artesão ainda não está preparado para exportar, não está preparado para essa diferenciação de temperatura na região norte”. Fomos investigar e descobrimos que a exportação foi feita através da empresa que havia feito aquela compra. Então, falamos para o senhor do Canadá: “Quanto de móvel o senhor recebeu?”, “Recebi tanto”, “Quanto o senhor gastou?”, “Gastei tanto”, “Quanto o senhor gasta para incinerar esses móveis?”, “Como assim?”, “Eu quero que o senhor ponha fogo nos móveis, junte à conta de quanto o senhor gastou, entre no nosso site, veja o que lhe interessa e eu vou mandar o valor equivalente às suas despesas”. Ele perguntou: “Eu estou falando com uma associação de artesãos?”, “Está”, “Isso não existe”, “Aqui existe”. Ele pegou um avião, veio para cá, comprou e ficou encantado.
Lembro que quando estourou a guerra do Iraque, o frete internacional triplicou e nós tínhamos fechado com o preço FOB (Free On Board), fixado na Europa. Várias pessoas cancelaram os envios, mas nós enviamos. Aí falaram: “mas vocês vão ter prejuízo”. Financeiro, sim, mas moral, não. Nós não combinamos que iríamos vender? Da mesma forma que o frete triplicou, ele poderia ter caído pela metade. Isso é risco de mercado, e estamos aí para arriscar mesmo.
Por tudo isso, temos mostrado que o artesanato brasileiro é confiável. A Feira Nacional de Artesanato que organizamos recebe entre oitenta e cem compradores internacionais que vem por conta própria. O cara vem, paga a passagem, fica seis dias dentro da feira e compra porque sabem que pode comprar, que, ao entregarem a carga, vamos consolidar, embalar e ele vai receber o produto lá íntegro. E se tiver que fazer alguma reordem, um novo pedido, ele sabe a quem recorrer. Estamos conseguindo estabelecer essa credibilidade.

O produto brasileiro vendido no exterior é caro?
Quando era vendido através de distribuidores no exterior, era, porque um distribuidor vende ao lojista por US$ 7 um produto que custou US$ 1 e vende ao lojista a US$ 7, o mark-up dele é sete vezes. O lojista, que pagava US$ 7, vendia para o consumidor final por US$ 14. Isso é inviável. Hoje não é mais assim. Como nós somos uma ONG, realmente sem fins lucrativos, compro a preço de custo e nosso mark-up é 1,7. Um produto que custa US$ 1 no Brasil chega à mão do lojista em Nova Iorque ou em Chicago por US$ 1,7 e ele vende por US$ 3,4. Conseguimos reduzir muito o custo para colocar o produto lá. Como antes do apoio da Apex a maioria dos artesãos não tinha condições de ir a feiras internacionais, de estar lá negociando direto, ele tinha que usar distribuidores. E o preço do distribuidor é esse mesmo, ele tem que ganhar dinheiro, pois é ele que investe. No nosso caso, é a Apex que paga nossa participação nas feiras do exterior – assim como ela paga para a Abit, para a Abmóvel, pra Embraer, ela paga também para o artesanato. Então, nosso custo nosso é pequeno. Nossos custos são com embalagem, divulgação, manutenção da credibilidade.

Muitos artesãos reclamam da dificuldade de vender seus produtos. Por que é tão difícil vender?
Sempre que eu pergunto ao artesão “Qual o seu problema?”, e ele responde “Meu problema é vender”, eu digo: “Então, você não tem problema, pois venda não é problema, venda é solução”. O artesão tem que pensar no que está fazendo de errado para o consumidor não aceitar o seu produto. Não adianta botar a culpa no consumidor por não vender. Ele precisa olhar para dentro dele mesmo. Será que ele está procurando o mercado certo? O produto está condizente com esse mercado? É um produto necessário? Hoje, as pessoas não vão mais comprar produtos artesanais com alto valor agregado alto para o seu dia a dia, elas vão comprar produtos chineses. Eu posso até ter na minha casa um conjunto de feijoada artesanal, fica lindo. Mas está lá no armário, se usei duas vezes na minha vida foi muito. Mas um abajur, uma mesa diferente, um adorno, uma colcha especial, isso eu quero artesanal, não o que veio da China.
Como eu falei no início, o El Corte Inglés veio ao Brasil para comprar 4 milhões de euros e voltou de mãos vazias, levando de volta 3 milhões de euros. Como o problema é a venda? O problema está no artesão, que não está estruturado, que acha que não precisa de embalagem, que acha que o comprador tem que aceitar seu produto.
Além disso, muita gente ainda tem a memória inflacionária. Se perguntarmos ao artesão “Como você calcula o preço da sua peça?”, ele responde: “Somo o que eu gasto e multiplico por três”. Como ele quer vender no atacado multiplicando por três? No varejo, dá até para multiplicar por cem, mas no atacado? Quando me perguntam se o preço está justo, eu aconselho: “Multiplica seu custo por 2,5, vai na internet e faz uma pesquisa de mercado”. Ou então responda se você compraria esse produto a esse preço. Você acha que vale? Essa é a questão.
Venda não é problema, venda é solução. O problema está em outro lugar, está em enxergar realmente o que o mercado quer, como o mercado quer e tentar fazer o seu marketing. Sempre falo para o artesão que o produto dele é único. Por mais que um produto artesanal se pareça com outro, ele é diferente, sempre tem um detalhe. É preciso usar isso, fazer o marketing, e não ficar lamentando e esperando o consumidor. Já foi o tempo em que as pessoas compravam pensando “Tadinho do artesão, vamos comprar no bazar hoje, oh dó”. Época de Natal, aquele monte de bazar. Não tem isso mais não, acabou. Temos que buscar mercado, buscar competência, buscar competitividade com qualidade. E buscar tudo isso olhando o cliente, tentando enxergar da visão do cliente e não da visão de quem produz. A visão do artesão foi muito importante no momento de criar, mas na hora de vender, ele tem imaginar o cliente olhando para ele. Se ele fosse o cliente, o que faria?
Na Feira Nacional de Artesanato, que fazemos em novembro, os artesãos vendem entre 60 e 70 milhões de reais em seis dias. Por que vendem tudo isso? Porque estão no lugar certo, no momento certo. Interessante ver o estande de pessoas que participam há 23 anos na feira, como era o e como está agora. O estande hoje tem que ter apresentação. Se você simplesmente entulhar, jogar os produtos dentro, ninguém vai entrar, porque no estande do lado o cara arrumou, está convidativo, o artesão está lá dentro está com um sorriso aberto de orelha a orelha, dá prazer. Não adianta o estande estar uma bagunça, o vendedor de braço cruzado e emburrado. Deus me livre! Cliente não quer isso não.

O que é e quais os objetos da criação do site Pouso de Prosa: Roteiros do Artesanato?
O site já está no ar, mas não foi lançado oficialmente. Um turista não tem a mínima ideia do que tem de artesanato em determinado lugar. E quando descobre um artesão, este, egoisticamente, não conta. Se você for a um ateliê do artesão e perguntar “Você sabe se tem outra pessoa que faça um produto parecido com o seu por aqui?”, ele vai colocar a mão na cabeça e responder: “Sabe que eu acho que não tem”. Ele não vai contar. Mas se eu fizesse só um site de artesanato, ia ser mais um entre tantos outros. Então, resolvemos criar o que chamamos de Roteiros do Artesanato. Colocamos os endereços de tudo o que um viajante precisa na área de serviços: posto de gasolina, farmácia, médico, segurança, oficina mecânica, banco, locadora de automóvel. Outra área traz os atrativos turísticos, as festas. O turista que vai a Ouro Preto, por exemplo, poderá descobrir o que está acontecendo em Ouro Preto hoje. Há também hotéis, restaurantes, artesãos e curiosidades: contos, causos e a comida típica da cidade, as melhores receitas. Mas não estamos criando nada, apenas juntando o que já está disponível. Quando o turista vai a algum lugar, ao invés de entrar em trinta sites diferentes, vai entrar no Pouso e Prosa e lá terá todas as informações sobre uma cidade. Em maio, ele irá para iPhone e Blackberry, com opção em inglês e espanhol, além do português. Eu quero que o turista também se interesse pelo artesanato.